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sexta-feira, 2 de abril de 2010

Dinheiro e Semana Santa

Segunda-feira Santa - A paixão de Cristo e o dinheiro

O Evangelho da segunda-feira da Semana Santa traz a história do perfume
precioso, derramado por Maria sobre os pés de Cristo na casa de Lázaro. Era
caro, e segundo Judas, valia "trezentos denários".

Dinheiro e política compõem o cenário da paixão de Cristo. Por trinta moedas
subornaram Judas para entregar Jesus. E se valeram das veleidades políticas
de Pilatos para condená-lo à cruz: "se soltas este homem não és amigo de
César".

Dinheiro e política compõem também o cenário do drama do povo. A amizade com
os "césares" continua condicionando as causas do povo. E assim os recursos
financeiros não são aplicados segundo as necessidades urgentes dos pobres,
como a saúde, a educação, a moradia, o transporte, o emprego.

Judas, o zelador da "bolsa", diz que o perfume poderia ser vendido, para que
o dinheiro fosse dado aos pobres. Na verdade, ele queria roubar o dinheiro.

Assim fazem entre nós os demagogos: levantam a bandeira dos pobres, mas
entram na política por interesses pessoais. Judas traiu Cristo, os demagogos
traem o povo.

Jesus coloca critérios de valor para o uso do dinheiro. À primeira vista, o
perfume derramado por Maria era um desperdício. Na verdade, era uma ação
educativa: o dinheiro precisa estar sempre disponível para as grandes
causas. Jesus estava prestes a empenhar sua própria vida pela causa da
humanidade. O dinheiro do perfume derramado sobre seu corpo se revestia da
mesma finalidade. Jesus estava dando o critério para a destinação primordial
do dinheiro: "pobres sempre tereis convosco".

O dinheiro entrou na paixão de Cristo. Ele entre no drama da vida humana. É
necessário que ele seja assumido, com responsabilidade. Faz parte de nossos
compromissos analisar a serviço de que causas está sendo colocado o nosso
dinheiro.


Terça-feira Santa - Dinheiro: amor ou traição?

A traição de Judas é capítulo indispensável da paixão de Cristo. É o que a
liturgia coloca nesta terça-feira da Semana Santa. E, de novo, o dinheiro
integra o cenário desta traição.

Diz o Evangelho que o Mestre estava perturbado diante da iminência da
traição. Partilha esses sentimentos com seus discípulos. Pois o contexto era
de intimidade, de amizade, de confiança: uma refeição. Tanto mais destoava a
traição, pois vinha de um amigo, e usava as aparências da amizade para se
perpetrar.

Observa o Evangelho que Judas pôde sair tranqüilo da sala, e partir para a
traição, aparentando as boas intenções do seu ofício: como encarregado do
dinheiro, todos pensavam que ele fosse "comprar o que precisavam para a
festa, ou dar alguma coisa para os pobres".

Para isto serve o dinheiro: para a festa da vida, e para ajudar os pobres.

Nada mais comovente do que ver a alegria dos pobres partilhando o pouco que
possuem. As festas dos pobres são bonitas. Com seus parcos recursos,
multiplicam a alegria da convivência, da acolhida mútua, da descontração, da
alegria de viver. Parece o milagre da multiplicação dos pães: a carência de
todos se transforma em surpreendente abundância, e resulta que todos se
saciam, e ainda sobre alguma coisa.

Na casa do pobre sempre há lugar para mais um. Quando chega o visitante, é
bem acolhido, é convidado à mesa, e ninguém se preocupa se a comida será
suficiente.

Com um pouco de dinheiro dá para multiplicar o amor. Aí o dinheiro se
transforma em vida e em alegria. Ele fica abençoado. Ele atinge sua
finalidade.

O dinheiro que caía na bolsa de Judas deveria servir ao amor. O drama é que
o dinheiro está tão perto da traição, quando passa a ser objeto de cobiça.
Aí ele perde sentido, e leva para a perdição.

Viver a Páscoa é recolocar o dinheiro a serviço da vida e do amor.



Quarta-feira Santa - Dinheiro e poder: os critérios da negociação

Em plena Semana Santa, o Evangelho insiste em mostrar a presença e a ação do
dinheiro na história da paixão de Cristo.

Nesta quarta-feira Mateus nos conta que Judas foi negociar com os sumos
sacerdotes. A traição ficou cotada em trinta moedas. Acertaram-se no preço,
na quantia de dinheiro. Mas com isto o Justo ficou sacrificado. Fizeram
acordo. Entenderam-se a respeito do valor monetário. Mas esqueceram o valor
da vida, que não tem preço. E assim o Cristo foi condenado a morrer.

Diante desta história do Evangelho, podemos situar melhor o problema dos
acordos financeiros.

Entre nós se discute tanto, e com razão, os termos dos acordos que regem
hoje as relações financeiras no mundo globalizado. Até os pobres falam no
FMI. No Brasil foi feito o plebiscito sobre a Dívida Externa, e a primeira
pergunta dizia respeito, exatamente, aos "acordos com o FMI". Mesmo sem
conhecer os termos exatos destes acordos, o povo intui que eles se revestem
de uma perversidade que não pode ser aceita.

E que os acordos não podem se limitar a reger relações financeiras. Eles
precisam estar relacionados com a vida do povo. Caso contrário, correm o
risco de serem injustos, e de colocarem em risco a sobrevivência dos pobres.

Sem a vinculação ética que a deve reger, a economia perde sentido, e se
torna instrumento para condenar à morte a multidão dos excluídos.

O dinheiro, por pouco que seja, dá um poder de negociação. Com uma pobre
bolsa na mão, Judas se transformou em negociador diante do sistema do poder
estabelecido. E foi capaz de provocar uma grande injustiça.

Usar corretamente o poder de negociação que nosso dinheiro nos proporciona,
é um sério dever ético, para todos, em nosso tempo. Pois está em causa a
vida das pessoas, sobretudo dos indefesos.

Quinta-feira Santa - Gratuidade além do dinheiro

No clima comovente de despedida, o Evangelho narra hoje o gesto de Cristo,
de lavar os pés dos apóstolos. E explica como este gesto nascia de um amor
sem limites: "tendo amado os seus, amou-os até o extremo" (Jo 13,1).

De novo, o contraponto deste amor é o ódio cego, que já tinha se instalado
no coração de Judas. A ganância do dinheiro tinha toldado o horizonte de
Judas. O acordo com os sumos sacerdotes o condicionava, e ele se sentia na
obrigação de trair o Mestre. "O diabo já tinha seduzido Judas para entregar
Jesus" (Jo 13,2). O diabo se instala a partir da lógica do lucro.

É importante evitar de entrar nesta lógica. Pois uma vez instalada, tem a
força de uma coerência, tantas vezes afirmada enfaticamente pelos
economistas, que teimam em insistir na "verdade única" da inexorabilidade do
processo econômico excludente que impõe seus critérios. Não se trata de
negar esta coerência intrínseca. Trata-se de mudar de princípio. Trata-se de
substituir o "diabo" do lucro pela gratuidade do amor, feito serviço aos
irmãos. Como fez Cristo na quinta-feira, em contraste total com o que foi
fazer Judas, no mesmo dia e na mesma hora.

A lógica do lucro produz insensibilidade humana, e fecha dentro de
"direitos" que se respaldam em leis inspiradas para sua defesa. A força do
amor leva a ultrapassar os "deveres", e chega a gestos surpreendentes,
rompendo os horizontes das formalidades, e estabelecendo uma nova atitude de
solidariedade e de comunhão. Os discípulos nunca mais irão esquecer o Mestre
que lavou seus pés. E descobrem nele um motivo para a entrega de suas vidas,
além das medidas humanas, e muito além da lógica do lucro.

Só o amor, transformado em serviço gratuito, rompe os limites do lucro.

Sexta-feira Santa - Condenação de Cristo - julgamento do sistema

Hoje o dia nos convida a olhar, com respeito, para o Cristo condenado na
cruz. O fato permanece como a interpelação mais profunda da história humana:
como foi possível uma pessoa que "passou fazendo o bem a todos", ser
condenada na cruz?

As lições permanecem inesgotáveis. No seu conjunto, atestam com evidência a
diferença de critérios a presidir um projeto de vida e de sociedade. Um
projeto que se guia pelos contra valores do ter, do poder e do prazer, não
tolera um projeto que se guia pela doação, pelo serviço e pelo amor. E se
sente na obrigação de eliminar os que o contestam com o testemunho da
própria vida. Sua urgência de condenar é confissão da própria fraqueza,
incapaz de encontrar justificativas humanas para se sustentar.

Foi assim que o próprio Cristo entendeu o significado de sua iminente
condenação: ela iria significar o julgamento dos que o estavam condenando.

Cristo bateu de frente com o sistema de dominação religiosa, política re
econômica, exercida sobre o povo pelos detentores do poder. Mas estes, para
executar seus planos, acionaram a ambição financeira. Ofereceram dinheiro
para Judas entregar o Mestre, para ser submetido a julgamento, e ser
condenado a morrer.

Com o Cristo crucificado se identificam milhões de inocentes, condenados a
morrer pelo sistema que os exclui da vida. São vítimas da ambição do poder,
da ânsia desordenada do ter, e do desejo desenfreado do prazer, dos que hoje
ainda detêm em suas mãos o destino das pessoas.

Mas o condenado na cruz nos convida a fazermos a opção certa, e assumir o
seu projeto.



Sábado Santo - Empréstimo provisório

Depois da sexta-feira intensa e movimentada, carregada de tensões e
sofrimentos, veio o sábado do repouso.

Como faz bem um dia de repouso, sem agenda, sem acontecimentos, sem
agitação, sem notícias. Para ser vivido no silêncio, na paz, no sono, na
espera.

Um dia que parece vazio. Mas que na verdade se enche de mistério e de
esperança.

As atenções se voltavam para o túmulo, onde ainda estava o corpo do Cristo.
Um túmulo emprestado. Um túmulo de família rica. Após a morte de Cristo,
José de Arimateia e Nicodemos saíram do anonimato, e ofereceram seus
préstimos às mulheres, para darem ao falecido uma sepultura digna. Compraram
caros perfumes, conseguiram emprestado um túmulo, e nele depositaram o corpo
do Senhor.

Foi tarde demais a intervenção deles? Não podiam ao menos ter pago um
advogado, para defender o acusado, num processo tão cheio de irregularidades
jurídicas?

Em todo o caso, agora agiam sem constrangimentos, respaldados pela dignidade
da morte, que tem a força de se sobrepor às injustiças contra a vida. A
morte dos pobres se constitui em força irresistível em favor de suas vidas.
Como a morte de Cristo, plantada no túmulo, de onde brotaria com força nova
e irresistível a vida ressuscitada.

Nunca é tarde para colocar nossos recursos a serviço da vida. O túmulo
emprestado lembra os empréstimos dos ricos para os pobres. Aquele foi um
empréstimo provisório, de apenas três dias, e que compôs o contexto de onde
a vida eclodiu, exuberante, para sempre.

Um empréstimo provisório, que serviu para uma vida definitiva. Ao contrário
de muitos empréstimos de hoje, que mais parecem túmulos definitivos, a
sepultar para sempre as esperanças dos pobres.

Este sábado ensina aos Nicodemos de hoje que o melhor fruto dos recursos
financeiros não sãos os juros acumulados, mas a alegria de ver ressuscitada
a vida dos pobres.

Domingo de Páscoa - Túmulo vazio - corações cheios

O domingo da ressurreição começou na madrugada, com Madalena e as outras
mulheres. E terminou noite a dentro, com os discípulos de Emaús e os
apóstolos reunidos. Um longo aprendizado, para passar da decepção do túmulo
vazio, para a plenitude da alegria com a presença do Senhor Ressuscitado.

Todos os pequenos episódios deste dia ensinam a passar das decepções para a
esperança, da morte para a vida, do sofrimento para a alegria.

O túmulo vazio não era fruto de roubo praticado. Era ausência de morte, era
sinal de vida.

O vazio de Deus em nossa vida é sinal de sua presença, é espaço para nossa
afirmação, é convite para mergulharmos em seu mistério de amor.

As interrogações dos discípulos não eram prova do contra senso, eram pistas
para a descoberta da verdade.

As decepções dos apóstolos não eram confirmação do engano, mas purificação
das mentes, para se abrirem aos desígnios divinos, que superam as falsas
expectativas humanas.

Para experimentar a presença do Senhor não precisavam de muita coisa.
"Tendes aí alguma coisa para comer?" (Lc 24,41). Bastam algumas coisas! Não
precisamos abarrotar nossas despensas, não precisamos de grandes somas em
nossas contas bancárias, não precisamos de grandes investimentos nas bolsas.
A frugalidade está mais próxima da alegria e da plenitude. Corações
abarrotados de desejos não deixam entrar a luz da vida. O Ressuscitado
atravessou paredes e portas fechadas, mas não passa pela barreira da
ganância e por cima do acúmulo.

Assim, a paixão tinha preparado os corações para a alegria do reencontro,
para a paz que vem do Senhor, para o perdão gratuito e total, para o
Espírito que era concedido aos discípulos como primícias da vida nova e
definitiva que já brilhava no corpo ressuscitado do Senhor.
Estavam removidos os obstáculos da morte, estava aberto o caminho da vida
verdadeira. Por ele somos convidados a andar, à luz da fé no Ressuscitado!

Autor: Dom Demétrio Valentini - Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas
Brasileira
Foonte: Adital

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