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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A Bestialidade humana encontrou uma guerreira na estrada

“Não matarás“.
(Êxodo 20:13)
“Rios de água correm dos meus olhos,
porque os homens não guardam a tua lei”.
(Salmo 119:136)


Neste verão conheci a Rota do Sol numa bela tarde de domingo. A magnífica, exuberante paisagem verde, a estrada que serpenteia à distância, foram imagens registradas nas fotos do mirante à entrada dos túneis, obra competente da Engenharia.

Desde a semana passada tais recordações são ofuscadas pela tragédia que alcançou Márcia e atingiu em cheio a todos nós. O sono, desde então, se demora em conciliar. A inconformidade, o espanto, o choque...diante dos fatos, para onde caminha, mesmo, a humanidade?

“Pára, mundo, que eu quero descer!” é uma expressão que traduz o assombro diante da crueldade que se intensifica.

Desta vez a bestialidade humana encontrou uma guerreira na estrada: jovem, bonita, determinada, profissional, responsável, estimada, admirada, dentista empenhada em se aperfeiçoar. Cumpridora de seus compromissos buscava honrar os horários marcados, como atesta a agenda de estampa ao gosto jovem, encontrados entre os bancos, no carro.

Quando passeio na admirável estrutura do Parque de Exposições da Fenamilho, penso na injustiça de Márcia não estar também aqui como planejara fazer, trazendo inclusive seus amigos para visitarem Santo Ângelo, projetos estes desfeitos pela mente deturpada de um assassino vil, cruel, besta-fera.

Apenas besta-feras tomam à força a intimidade que tão somente à mulher pertence, e que, a compartilhar, será à destinação de seu amor e à sua escolha de desejo. Homem com competência, conquista. A besta-fera, incompetente, viola. O assassino, covarde o suficiente para não correr ao encalce de um homem/testemunha (a ser verdade o que diz) como teria ameaçado fazer. Numa noção às avessas do que é ser macho de verdade, usou da força muscular bruta, em superior à feminina, numa determinação doentia de ser algoz até o fim.

Márcia, esta sim, foi uma verdadeira mulher, com dignidade em toda a sua luta. O assassino roubou sua vida; a dignidade, porém, não tinha como matar, pois não encontrou uma mulher que se rendeu ao medo paralisante, mas uma guerreira, uma lutadora, numa resistência ativa.

Quando estiver novamente na Rota do Sol, ainda que seja num lindo dia de verão, não a verei novamente “ensolarada”. Aliás, nem quero. Quero lembrar, não esquecer. Esquecer significaria acostumar-me, anestesiada, com “casos” chocantes como esse. Por trás de cada “caso”, um nome, uma trajetória, uma vida, múltiplas vivências, projetos, lutas, uma família, amigos, colegas, amores...Esquecer não seria nem justo para com Márcia e outras mulheres que sofreram mortes violentas.

Nos casos de dor coletiva é necessário juntar forças e somar empenhos individuais para lidar com um luto que é de todos, como iniciar ou participar de um grupo de apoio e de solidariedade às famílias e amigos das vítimas. O efeito é terapêutico e cumpre uma função social importante, significativa. É uma forma de não permitir que a luta inteira de Márcia e, principalmente sua luta final, pelo legítimo direito à sua vida, resulte em vão.

A população brasileira já se mobilizou, unida, por ocasião das Diretas Já, em 1985, e no impeachment de Collor, em 1992. O que justifica, desde então, nossa passividade como povo? Por vezes ocorre uma ou outra passeata isolada de “Abaixo a Violência“, “Sou pela Paz“. É necessária uma ação em massa, união de movimentos que resulte em reformulação de leis mais severas e aplicabilidade destas, para que as barbáries tenham punição exemplar.

Para perguntas às quais não temos facilidade para encontrar respostas, recomendo o livro “Quando coisas ruins acontecem com pessoas boas”, cujo autor, Harold S. Kushner, é um rabino que teve questionamentos dirigidos a Deus quando o filho foi acometido por uma doença que levou-o à morte ainda adolescente . Penso ser um bom livro para alívio no luto.

Indico também, “A Cabana”, de William P. Young, cuja história escreveu devido às experiências traumáticas que sofreu (morte da sobrinha e irmão; abuso sexual). Sobre este livro está escrito: “Essa história deve ser lida como se fosse uma oração – a melhor forma de oração”.

E, para finalizar, podemos citar que já encontramos na geração subseqüente a Adão e Eva, o primeiro registro de homicídio, com Caim matando Abel, seu irmão. Logo adiante, no Capítulo 6 desse mesmo livro de Gênesis, na Bíblia, a manifestação do arrependimento de Deus por ter criado o gênero humano devido a sua corrupção.

“Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra,
e que era continuamente mau todo desígnio de seu coração;
então, se arrependeu o Senhor de ter feito o homem na terra, e isso
lhe pesou o coração...
me arrependo de os haver feito”.


(Gênesis 6:5, 6, 7b)

À família de Márcia e seus amigos, manifesto minha consideração e respeito à sua dor.

Regina Fabrício em 02/05/2009

Um comentário:

  1. Apreciei e compartilho do espanto diante da maldade que sempre espreita o ser humano. Lembrando que temos/somos um reptil na intimidade da carne, busquemos transcendê-la com o Espírito de Deus, que, com seu Sopro, nos humaniza e nos prepara para o novo Tempo. Seremos transformados À semelhança do Filho do Homem, Jesus. Ageu Heringer Lisboa

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